top of page

A incumbência do delegado de polícia de fundamentação do inquérito policial

Atualizado: 15 de jul. de 2020


As investigações realizadas no âmbito da polícia judiciária, conduzidas por Delegados de Polícia, encontram no inquérito policial o espaço por excelência para o exercício das atribuições constitucionais que visam à proteção do direito à segurança pública.

Como as atividades investigativas, via de regra e, especialmente, quanto ao inquérito policial, são regulamentadas pelo Código de Processo Penal de 1941, recomenda-se uma leitura contemporânea dos atos praticados pelo Delegado de Polícia na condução da investigação.

A investigação policial é extremamente dinâmica e permeada pelo constante exercício da discricionariedade quanto à sequência de atos investigativos. A celeridade também deve ser uma marca saliente da investigação, na mesma proporção e rapidez com que se desenvolvem as ações criminosas. Parte dessa celeridade deve ser creditada à autoexecutoriedade de diversas diligências realizadas pela polícia judiciária, característica que pode nos auxiliar a compreender a natureza dos atos praticados durante a investigação. Entretanto, muitas são as medidas que impõem restrição a direitos individuais e que estão submetidas à cláusula de reserva de jurisdição.

A título de introdução à análise do assunto, iniciemos pela decisão quanto à lavratura do auto de prisão em flagrante. A primeira autoridade pública a decidir sobre a condução de uma pessoa ao cárcere é o Delegado de Polícia. Justamente por esta razão, o Ministro Celso de Melo cunhou a frase no sentido de que o Delegado de Polícia é “o primeiro garantidor da legalidade e da justiça” (HC 84.548/SP).



Conduzidos autor do fato, vítima e eventuais testemunhas por agentes do Estado ou por qualquer do povo – o que constitui mera detenção -, caberá a análise da situação fática pelo Delegado de Polícia que ordenará, precariamente, que o suspeito seja levado ao cárcere em razão da prisão em flagrante.

Compete à Autoridade Policial verificar se existem indícios suficientes de autoria, prova da materialidade, situação configuradora de flagrante, tipicidade da conduta, possibilidade de concessão de liberdade mediante fiança, além de proceder à representação por prisão provisória ou outra medida que lhe seja diversa.

Trata-se de momento crucial na medida em que da análise destas circunstâncias extraem-se consequências jurídicas importantíssimas para o conduzido e, igualmente, repercute diretamente sobre o que se considera permitido ou proibido em razão do que se configura como Estado Democrático de Direito.

Após essa análise, o conduzido poderá ostentar a qualidade de investigado (o que já lhe causa constrangimento psicológico), ter sua liberdade restringida imediatamente e, no mínimo, passará a possuir registro de ocorrência policial em seu desfavor. Ainda, poderá ser alvo de restrição a bens e direitos em razão de medidas cautelares reais ou pessoais diversas da prisão. Todas essa medidas, é cediço, trazem ônus a um jurisdicionado que, por imperativo da Constituição Federal e da Convenção Americana de Direitos Humanos, é considerado inocente até decisão condenatória com trânsito em julgado.

Ocorre que o Delegado de Polícia, por ser agente público que exerce parcela de poderes conferida pelo Estado, tem o dever de justificar seus atos de modo a garantir o respectivo controle de legalidade. Esse é um dever imposto a todos os agentes públicos, notadamente em razão do exercício de função administrativa, que também marca a atuação do Delegado na condução do inquérito policial, respeitadas as características próprias desse procedimento investigativo.

O Estado que não efetiva instrumentos de autocontrole e que não fomenta a clareza e a publicidade da motivação dos atos de seus agentes não pode ser considerado democrático e tende à arbitrariedade. É da essência dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais de primeira dimensão que o Poder Público se abstenha de praticar atos invasivos ilegitimamente. A legitimidade, por sua vez, deve ser avaliada a partir do conhecimento das razões que levam o agente público a adotar uma ou outra decisão, a restringir ou não determinados direitos, assim como a extensão da medida escolhida. E isso gera, inexoravelmente, o dever de fundamentação.

Na Constituição Federal, o art. 93, IX dirige ao Magistrado o dever de fundamentar suas decisões. Entretanto, pode se extrair desta previsão um princípio geral de motivação dos atos que impõem restrição a bens e direitos, algo decorrente do Devido Processo Legal, garantia aplicável ao inquérito policial. O Delegado de Polícia, por sua vez, considerada a sua atividade jurídico-administrativa, pratica atos regidos pelos princípios da Administração Pública, notadamente os previstos no art. 37, CF e os do seu regime jurídico decorrentes.

Por atuar nos limites procedimentais do inquérito policial, cuja natureza jurídica é de processo administrativo, afora o regramento específico dedicado pelo Código de Processo Penal, é interessante perceber a disciplina legal estabelecida na regulamentação dos atos administrativos pela Lei 9.784/1999. Nessa linha de ideias, todo ato administrativo – e assim os são os atos praticados pelo Delegado de Polícia – deve trazer consigo a respectiva motivação, conforme artigos 2.º, e 50 da Lei 9.784/1999.

Neste contexto, analisar as hipóteses legais da prisão em flagrante (art. 301 e 302, CPP), a tipicidade formal e material da conduta, representar pela conversão da prisão pré-processual em prisão cautelar ou por outra medida diversa da prisão, conceder ou não fiança, obrigatoriamente, de maneira fundamentada, são deveres do Delegado de Polícia decorrentes da natureza administrativa dos atos que pratica no âmbito do inquérito policial ou outro procedimento investigativo.

A lei 12.830/2013, que regulamenta a investigação policial conduzida pelo Delegado de Polícia, também exige que o relatório final seja fundamentado mediante análise técnico-jurídica do fato (art. 2º, § 6º). Em essência, o dispositivo nada mais fez do que sedimentar em de lei especial – dedicada à condução de investigação por Delegado de Polícia -, deveres que já decorriam do regime jurídico dos atos administrativos praticados por agente público. Além disso, se a mencionada legislação impõe o dever de fundamentação quando da realização do relatório final, momento em pode sequer existir suspeito preso, com muito mais razão esse dever se desloca para o momento da decisão sobre a lavratura do auto de prisão em flagrante, dada a gravidade da medida.



Essas poucas observações nos permitem conclusões que reputamos importantes para uma reflexão no âmbito da atividade investigativa:

1. toda restrição ou representação por restrição a direitos deve ser fundamentada;

2. a fundamentação dos atos praticados é corolário lógico da observância do Princípio da Legalidade e da condição de agente público que detém a Autoridade Policial;

3. o Delegado de Polícia, agente público e integrante de carreira jurídica, deve fundamentar suas decisões mediante a análise dos fatos e do Direito;

4. a fundamentação deve ser adequada aos Princípios previstos no art. 37, CF e ao teor dos arts. 2.º e 50 da Lei 9.784/1999, observados os limites impostos pela característica da sigilosidade das investigações (que também atingem investigado e advogados apenas quanto às diligências futuras e em andamento);

5. a fundamentação dos atos de polícia judiciária garante transparência e controlabilidade aos atos de investigação;

6. a fundamentação dos atos de restrição a direitos permite a garantia do Amplo Acesso ao Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, CF) pelos investigados e seus procuradores, maximizando as garantias fundamentais e o exercício do direito de defesa, ainda que exógeno;

7. a exposição dos atos investigativos a melhores mecanismos de controle de legalidade contribuem para confiabilidade do inquérito policial, procedimento administrativo criado para evitar acusações infundadas e sem lastro probatório mínimo;

8. atos investigativos controlados legalmente conduzem à constatação de regularidade na coleta de elementos informativos que, confirmados judicialmente, estabelecem provas idôneas para a formação da convicção do magistrado, contribuindo para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional;

9. prisões cautelares, medidas cautelares diversas da prisão e sentenças condenatórias lastreadas em elementos de prova obtidos por meios legalmente controláveis tendem à medidas judiciais que salvaguardem o direito fundamental social à segurança pública.

10. a atribuição constitucional das polícias judiciárias (civil e federal), que é de investigar crimes comuns (crimes não-militares) sob condução e coordenação de Delegados de Polícia, deve ser realizada por meio de atos administrativos fundamentados, nos termos dos artigos 2.º, 5º e 50 da Lei 9.784/1999, e art. 2.º, § 6.º da Lei 12.830/2013, especialmente quando repercutirem na restrição a direitos e bens de pessoas investigadas.

Diante do exposto, tem-se que, em sendo conduzido de forma clara e fundamentada, o inquérito policial receberá a perspectiva necessária de instrumento de apuração de fatos e não de busca de confirmação de teses persecutórias, destinando-se, precipuamente, à Administração da Justiça.

Também convido para Acessar meu canal no Telegram basta clicar aqui .

E nossas redes sociais: Facebook advocacialudgero criminal.

Instagram: @ludgeroadvocacia

Twitter: @LudgeroContato.

Linkedin: Ludgero Criminalista Ludgero

.

Gostou do texto? Indique a leitura para outras pessoas! Basta clicar no coração que está na parte direita do texto.

48 visualizações0 comentário
bottom of page