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A natureza permanente do crime de poluição qualificada

Atualizado: 6 de abr. de 2020


O art. 54 da Lei 9.605/98 pune a conduta de causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. A pena é de reclusão de um a quatro anos, além da multa.

O § 2º do art. 54 qualifica o crime que:

(1) torna uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana.

(2) causa poluição atmosférica que provoca a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que causa danos diretos à saúde da população.

(3) causa poluição hídrica que torna necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade.

(4) dificulta ou impede o uso público das praias ou,

(5) ocorre por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.


E, de acordo com o § 3º, incorre na mesma pena qualificada quem deixa de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. Este parágrafo, apesar de tratar de medidas de precaução contra o risco de dano, pode incidir inclusive em situações em que o dano já tenha ocorrido, mas há potencial de agravamento caso o poluidor se mantenha inerte.


Na definição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, causar significa “ser causa de; originar, motivar, provocar”, e tem como sinônimos, dentre outros, motivar, originar, promover, produzir. Segundo ensina Nucci a respeito do tipo penal, “causar (provocar o surgimento de algo) é a conduta, que tem por objeto a poluição (sujeira, prejudicial à saúde). Esta pode ser produzida de qualquer modo, ou seja, qualquer que seja sua origem. Embora pareça desnecessário o tipo dizer que a poluição seja em níveis que possam resultar em danos à saúde humana, já que toda forma de poluição é um prejuízo natural à saúde de seres vivos, quer-se demonstrar que a conduta penalmente relevante relaciona-se com níveis insuportáveis, inclusive aptos a gerar a morte de animais e a destruição de vegetais. Há diferença entre seres humanos e animais ou plantas. Quanto a pessoas, a poluição precisa apenas ser capaz de causar danos à saúde; em relação a animais ou vegetais, é fundamental chegar à mortandade ou destruição” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, vol. 2, p. 733).


Diferentemente do que ocorre em tipos penais em que a conduta nuclear traz a implicação lógica de que a consumação deve se protrair no tempo, o núcleo típico do art. 54 da Lei 9.605/98 não é assim evidente. Com efeito, se no sequestro e em algumas modalidades do tráfico (como manter drogas em depósito) e da receptação (como guardar o produto do crime) não há possibilidade de que o delito se considere perfeito e acabado instantaneamente, não se pode afirmar o mesmo sobre a conduta de causar poluição, especialmente quando combinada com os parágrafos do art. 54.




Recordemos que, segundo a classificação relativa ao momento consumativo, o crime se divide, basicamente, em instantâneo, instantâneo de efeitos permanentes e permanente.

O crime instantâneo se consuma em momento determinado (consumação imediata), sem prolongamento. Não significa que ocorre rapidamente, mas que, uma vez reunidos seus elementos, a consumação ocorre peremptoriamente.


No crime instantâneo de efeitos permanentes a consumação também ocorre em momento determinado, mas os efeitos dela decorrentes são indeléveis, como no homicídio consumado, por exemplo.


O crime permanente, por outro lado, é aquele em que a execução se protrai no tempo por determinação do sujeito ativo. É a modalidade de crime em que a ofensa ao bem jurídico se dá de maneira constante e cessa de acordo com a vontade do agente. Temos como exemplos os crimes já citados acima (sequestro e algumas modalidades do tráfico de drogas e da receptação). A relevância prática da permanência reside no início da contagem do prazo prescricional, que só ocorre após a cessação da ofensa ao bem jurídico (art. 111, inc. III, do Código Penal), e também na possibilidade da prisão em flagrante a qualquer tempo.




No caso da poluição ambiental, instala-se a controvérsia: trata-se de conduta permanente ou instantânea de efeitos permanentes? Em outras palavras: ao causar poluição no solo, por exemplo, por meio do descarte de produtos contaminados, o agente poluidor comete um crime que se consuma imediatamente mas provoca efeitos ambientais perenes, ou pratica uma conduta constante, que perdura enquanto não adotadas as providências determinadas para reparar o ambiente poluído e evitar que os danos se agravem?


No julgamento de agravo regimental no REsp 1.847.097/PA (j. 05/03/2020), a Quinta Turma do STJ decidiu que se trata de crime permanente.

No caso julgado, uma pessoa jurídica havia sido acusada de descartar indevidamente tambores de combustível e de descumprir a determinação para que o dano ambiental fosse reparado. Para o tribunal, ainda que por omissão ante a necessidade de cumprir as determinações dos órgãos ambientais, o crime deve ser considerado permanente:


“Destarte, necessário verificar, no caso aqui tratado, qual o elemento volitivo do autor no que se refere aos efeitos da primeira conduta criminosa – poluição.
In casu, o que se extrai do aresto hostilizado, às fls. 544/548, é que a empresa agravante armazenou seu lixo industrial, no município de Ulianópolis, e, dessa conduta, resultou poluição grave da área degradada, sendo que, até o momento de prolação do julgado, não teria tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional.
[…]
Ao que se tem, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.
Assim, no caso em exame, entendo que o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por omissão da parte autora, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez (fl. 596).
[…]
Esta Corte tem se posicionado pela impossibilidade de aferição do transcurso do lapso prescricional quanto a delito cometido em desfavor do meio ambiente, quando pautado na continuidade das atividades ilícitas.

[…]

A meu ver, esse posicionamento vem tomando força e deve ser a linha de orientação a ser seguida, considerado o bem jurídico-constitucional de elevado valor a que a lei faz referência – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – que legitima a intervenção do Estado no controle das ações praticadas a seu desfavor, devendo ser promovida a efetiva aplicação das normas penais”.


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