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As mudanças depois da criminalização da homofobia comemorar ou depreciar?

Atualizado: 11 de jul. de 2020


Há um ano, em 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989). No julgamento, que teve o Instituto Brasileiro de Direito de Família como amicus curiae, determinou que discriminações e ofensas às pessoas LGBTI podem ser enquadradas no artigo 20 da referida norma, com punição de um a três anos de prisão. O crime é inafiançável e imprescritível.

A decisão, contudo, ainda encontra dificuldades práticas. Especialistas pelo apontam que a efetividade da determinação judicial esbarra na dificuldade do acesso à informação e no preconceito intrínseco à sociedade brasileira, solidificado também no Poder Legislativo, que segue omisso em conferir os direitos à população LGBTI.

Há 40 anos, o Grupo Gay da Bahia – GGB desenvolve o Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT no Brasil. O último levantamento, divulgado em abril, apontou que 329 pessoas, entre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, tiveram morte violenta no Brasil em 2019 por conta da orientação sexual ou identidade de gênero. Foram 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,7%).

Dados mostram queda em relação a 2018

Apesar de expressivos, as estatísticas revelam uma diminuição no número de mortes violentas em comparação aos anos anteriores. Em 2018, foram 420, enquanto o recorde se deu em 2017, com 445 notificações. É o que aponta o professor Luiz Mott, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia – UFBA e fundador do GGB.

Segundo o especialista, os efeitos da decisão do STF podem ter contribuído para a queda de aproximadamente 20%, aliados a um cenário político que impôs a precaução junto a essa parcela da população. Mott atenta ao temor gerado durante o período eleitoral, há dois anos, com a ascensão do então candidato Jair Bolsonaro, hoje presidente da República.

“O clima de terror homofóbico implantado pelo Bolsonaro e por seus filhos fez com que a população LGBT passasse a ter medo de situações de risco e as evitassem. Além disso, acredito que grupos minoritários se tornaram mais conscientes da importância de gritar, denunciar e registrar boletins de ocorrência”, avalia Mott.



Pedagogia do medo

Ele aponta que a determinação do STF é importante por operar pela chamada “pedagogia do medo”. Espera-se, afinal, que as pessoas sejam intimidadas ao cogitarem discriminar alguém por conta de orientação sexual ou identidade de gênero. “É o que acontece em relação à população negra. As pessoas deixaram de expressar seu racismo, ao menos publicamente, com medo dessa repressão”, diz.

O ativista lembra que o GGB luta, desde a sua fundação, em 1980, pela criminalização da homofobia. “Esse é um pleito muito antigo do movimento. A resolução do STF foi emblemática e importante, embora, na verdade, leis não possam mudar mentalidades automaticamente”, pondera Mott.

“Ao divulgar as estatísticas anuais sobre homotransfobia, sempre digo que é possível erradicar essa praga, esse verdadeiro genocídio”, diz ele, que aponta as medidas mais urgentes para a reversão do quadro:

  • educação sexual científica em todos os níveis escolares, ensinando crianças e jovens sobre o respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero, além do beabá de como evitar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada;

  • legislação severa, com aplicação efetiva que puna exemplarmente os crimes contra LGBT;

  • políticas públicas a favor das minorias sexuais, garantindo a sobrevivência física, a segurança, a prevenção contra a AIDS e o acesso de pessoas trans a outras profissões que não seja a prostituição;

  • conscientização da própria comunidade LGBT para que denuncie sempre que for vítima de qualquer tipo de violência e reivindique igualdade, isonomia de todos os direitos de cidadãos.

STF supriu omissão do Poder Legislativo

Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família a advogada Maria Berenice Dias afirma que a criminação da homotransfobia foi um marco na luta pelos direitos da população LGBTI no Brasil. Com a decisão, no ano passado, cumpriu-se o comando constitucional de que a omissão do Legislativo deve ser suprida pelo STF.

“A Justiça, em todas as suas instâncias, assegura que o fato de que algum direito não estar estampado na lei não significa a ausência desse direito. Assim se construiu a sólida jurisprudência que tornou o Brasil um dos mais avançados no mundo em termos de reconhecimento de direitos da população LGBTI”, comenta Maria Berenice.

Por outro lado, a jurista, que também preside a Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família , aponta que a Lei do Racismo encontra dificuldades de aplicação mesmo quando o crime diz respeito à raça ou cor da vítima. “Quase sempre são invocadas as coordenações do crime de injúria racial, previsto no artigo 140, parágrafo III, do Código Penal, que tem pena menor e sujeito à prescrição”, observa.

Para a especialista Maria Berenice,( jurista, advogada e ex-magistrada brasileira) a decisão do STF também foi pouco divulgada, à época. Por esse motivo, é possível que a maior parte das pessoas LGBTI sequer tenha conhecimento de que pode utilizar a Lei do Racismo contra a homotransfobia. “Até hoje não tenho conhecimento de alguma condenação por aplicação da Lei do Racismo a crimes de ódio contra esse segmento”, diz a advogada.

Revitimização

Ela afirma, ainda, que apesar ter sido um “passo gigantesco”, a decisão por si só não basta. “Muito da violência contra a população LGBTI vem por parte das autoridades policiais, que ainda precisam de uma capacitação para saber acolher e respeitar essas pessoas. Muitos têm medo de serem revitimizados quando comparecerem a uma delegacia de polícia para alguma denúncia. ”

O avanço propiciado pelo STF é tão significativo quanto frágil, segundo a advogada: “Orientações jurisprudenciais podem eventualmente ser alteradas, já que a composição dos tribunais muda”. Ela ressalta a importância de uma legislação que assegure a devida proteção dessa comunidade vulnerável.

“Talvez o mais importante projeto de lei em tramitação seja o PLS 134/2018, que cria o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, apresentado por iniciativa popular e acompanhado de 100 mil assinaturas. É indispensável uma mobilização não só dos movimentos sociais, mas de toda a população. Enquanto se tem alguém com o direito atingido, todos estamos com o direito atingido. Por isso, os direitos da população LGBTI neste país importam a todos”, destaca Maria Berenice.



Fase ainda é de aprendizado

Autor das ações de criminalização da homotransfobia julgadas pelo STF, o advogado Paulo Iotti afirma que a decisão foi paradigmática. “Desde então, temos mecanismos de luta contra a opressão homotransfóbica também na seara penal. As pessoas LGBTI+ ainda estão aprendendo que tipo de discursos e condutas ultrapassam os limites constitucionais da liberdade de expressão e, assim, que tipo de condutas pode ser objeto de processo e quais não podem”, avalia.

Iotti aponta que um ano é pouco tempo para o Poder Judiciário, o que dificulta um balanço da efetividade da determinação. “Uma denúncia feita no dia seguinte da decisão (do STF) provavelmente não teria sido julgada até hoje”, observa. Ele lamenta que o Estado não mapeie e divulgue número de processos e condenações por crimes de ódio contra minorias e grupos vulneráveis, algo que, mesmo sem lei específica, já pode ser realizado. Os dados ajudariam no enfrentamento do problema e na elaboração de políticas públicas para sua prevenção.

A ausência de atuação do Congresso Nacional após a decisão do STF também é destacada pelo advogado. Não houve, segundo Iotti, qualquer mudança nos poderes Executivo e Legislativo nos últimos 12 meses. “É uma lástima como o Congresso Nacional e o Executivo, em geral, se mostram institucionalmente homotransfóbicos, pois embora possam alegar ausência de ‘intenção’ nesse sentido, suas omissões têm efeitos discriminatórios - lógica dos conceitos de discriminação indireta, estrutural e institucional, que se focam no ‘efeito’ de uma ação ou omissão, não na ‘intenção’ dela”, classifica.

Em junho de 2019, a sustentação oral apresentada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família como amicus curiae no julgamento do STF foi feita pelo presidente do Instituto, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira. Ele destaca a importância avanço alcançado há um ano, mas também reitera a necessidade de uma legislação destinada a consolidar a criminalização da homotransfobia.

“O Direito é um importante instrumento de inclusão ou exclusão das minorias no laço social e as pessoas LGBTI sempre foram excluídas, massacradas e assassinadas. Felizmente, o STF seguiu uma interpretação humanitária para preservar os direitos dessas minorias que foram sempre violados, até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, assinala Rodrigo.


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