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O tráfico de fosseis no Brasil e as implicações ao patrimônio cultural



INTRODUÇÃO

A pesquisa intitulada “O tráfico de fósseis no Brasil e suas implicações sobre esse relevante patrimônio cultural do País” visa a aprofundar o debate acerca do tráfico ilegal de fósseis como afronta ao patrimônio cultural brasileiro, exigindo do ordenamento jurídico ampliação da legislação em defesa desse patrimônio, pois fere o direito ambiental e, sobretudo, a soberania da Nação.


A Constituição Federal assegura no caput do art. 225 a lógica do desenvolvimento sustentável, ou seja, a preocupação do poder público em conservar e defender o meio ambiente na concepção de preservá-lo para as atuais e futuras gerações em torno de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Ainda na ótica de Constituição Federal o caput do art. 226, inciso V, enfatiza:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.


Logo, percebe-se que o ordenamento jurídico é firme ao valorar a identidade cultural no território brasileiro.


Nesse sentido, o poder público deve volta-se para a preservação dos fósseis como patrimônio imaterial da nação brasileira, combatendo a pirataria internacional, a fim de conservar a identidade cultural do povo brasileiro. É inadmissível que países estrangeiros aproveitem-se do acervo fóssil existente em nosso país para realizar suas pesquisas em detrimento da soberania nacional.


A preocupação das questões ambientais no âmbito do direito é imprescindível na efetivação de normas com vistas a combater ao transporte ilegal dos fósseis para países estrangeiros, haja vista a violação do patrimônio cultural que está certo usurpado por nações cujo escopo é se locupletar por meio de estudos científicos em universidades.


Ao analisar a pirataria dos fósseis para o exterior recorta-se como objeto de estudo o estado do Ceará, mais especificamente a região da Chapada do Araripe, no Cariri, que apresenta farta deposição de fósseis, os quais se destacam pela surpreendente qualidade, reunindo, em alguns casos, inclusive, restos de tecido mole (KELLNER, 2002).


Atraídos pela possibilidade de comercialização desse material, pessoas de outros estados brasileiros e de outros países passaram, há um bom tempo, passaram a contrabandearem, abundantemente, essas espécies.


Os contrabandistas possuem conhecimento do produto, agindo por interesse financeiro e científico. É evidente o interesse de ordem econômica em detrimento da proteção ao patrimônio público. Apesar de a Constituição pautar-se na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda é preciso avançar nos mecanismos de proteção dessas espécies fósseis, faltando leis atualizadas na regulamentação desse importante patrimônio cultural.


O desenvolvimento da ciência seria um válido argumento, caso não se prestasse a fins escusos, criminosos, em proveito próprio e em flagrante desrespeito aos pactos de cooperação mútua entre as nações e à soberania nacional.


O mais impressionante é que, para efetuarem seus delitos, os criminosos usavam da boa-fé dos nativos e de suas necessidades financeiras, inclusive, chegando a barganharem as riquezas fósseis em troca de alimentos básicos e de valores aquém dos válidos pela aquisição das peças, caracterizando prática colonial de escambo revelando retrocesso histórico-social do passado de subordinação da incipiente nação brasileira.


O fato chamou a atenção de nossas autoridades que, instigadas pelas denúncias de estudiosos, ambientalistas e imprensa, desenvolveram ações protetivas e coibitivas contra essa prática delituosa.


Em adição às medidas repressivas e projetivas, uma onda de mobilização das universidades, institutos de educação e ONGs (organizações não governamentais), protagonizada por professores e pesquisadores locais, com suporte mundial, possibilitou a criação do GeoPark Araripe.


A formação do GeoPark veio proporcionar o estudo “in loco” dos nossos fósseis, bem como implementar a educação da população local, nacional e internacional sobre a importância da preservação e do estudo desses recursos fossilíferos.


A abordagem desse assunto objetiva, na sua essência, conclamar o legislador pátrio à criação de leis rígidas, seguras e modernas com vistas à proteção dos fósseis brasileiros.

Nosso ordenamento jurídico não contempla, de forma substancial, o assunto, havendo, apenas, um Decreto-Lei ultrapassado, composto de somente dois artigos, tratando da causa de forma frágil e superficial. Apesar de o inciso VII do art. 24 estabelecer que, em relação à proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre o assunto, percebe-se descanso do Poder Público em efetivar políticas públicas de proteção ao acervo patrimonial fóssil.


1. OS FÓSSEIS: CONCEITUAÇÃO E RELEVÂNCIA PARA O DIREITO AMBIENTAL.


Fósseis são restos ou vestígios de seres vivos de épocas remotas que ficaram preservados em rochas (ou gelo). Podem ser ossos, dentes, conchas ou até impressões, pegadas ou pistas deixadas por seres vivos (UZUNIAN; BIRNER, 2001).


Na antiguidade, a palavra fóssil (do latim “fossilis”, “extraído da terra”) significava toda coisa estranha encontrada numa rocha. Na acepção moderna, corresponde às evidências diretas deixadas por seres vivos que viveram antes do holoceno, há mais de dez mil anos (ENCICLOPÉDIA BARSA, 2000).


Kellner (2002) relata, em seus estudos, inúmeras espécies ameaçadas de pirataria na região do Cariri Cearense, tais como: diversidade de peixes (tubarões, raias...), répteis (quelônios, crocodilomorfos, dinossauros, pterossauros), invertebrados (moluscos, crustáceos, insetos) e plantas (troncos folhas e frutificações). Os exemplares fossificados são encontrados nas rochas sedimentares do Membro Romualdo (Formação Santana, Aptiano-Albiano) - da Bacia do Araripe.


O estudo dos fósseis possibilita dirimir dúvidas sobre a evolução das espécies e proporciona adoção de medidas a fim de minorar, ou eliminar extinções de outras (UZUNIAN; BIRNER, 2001).

Assevera ABAIDE (2010) que “fósseis passam a ser elementos integrantes da cultura brasileira, cabendo aos órgãos responsáveis pela herança cultural demonstrar a existência de vínculo entre a ciência e cultura”, ou seja, há intrínseca relação entre cultura e ciência, sendo justificativa dos traficantes de fósseis para o exterior o aprofundamento do conhecimento cientifico.

Contudo, é evidente a relevância cultural e econômica de resgate do acervo patrimonial dos fósseis para a nação brasileira. Além de preservar a identidade cultural do território, numa visão mercadológica cumpriria sua função de estimular atividade econômica na região do Cariri.




2. A EXPLORAÇÃO DESORDENADA E O COMÉRCIO ILEGAL DOS FÓSSEIS NA CHAPADA DO ARARIPE.


O jornal “O POVO”, em 26 de setembro de 2017, noticiou a venda ilegal de fósseis provenientes da região do Membro Romualdo, na zona do Cariri cearense, através de “sites” de classificados e de lojas virtuais e físicas em vários países, principalmente Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Espanha.


O comércio, de acordo com a reportagem, é feito, principalmente, entre traficantes internacionais e colecionadores, instituições de pesquisa e museus.


O pesquisador Maisey (1991) já alertava para a exploração desordenada desses fósseis. Segundo ele, aquele depósito fossilífero é conhecido há, aproximadamente, 170 anos e houve um gradativo aumento da coleta ilegal, sobretudo nas três últimas décadas.


Apesar de algumas medidas legais terem sido tomadas (p.ex: apreensões, aumento da fiscalização...) esta atividade extrativa ilegal continuou em expansão até os dias de hoje.

Os primeiros relatos de retirada de fósseis da região do Araripe datam do século XIX, quando os naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martins, oriundos de Munique, obtiveram materiais fósseis através do então Governador Geral da Província do Ceará, quando por ocasião de suas presenças na comitiva da arquiduquesa Maria Leopoldina, que viria a ser a imperatriz brasileira (KELLNER, 2002).

A partir daí, a excelente qualidade dos exemplares foi despertando cada vez mais interesse em diversos outros pesquisadores (botânicos, paleontólogos, historiadores) de diferentes nacionalidades.


O Professor Álamo Santana, na citada reportagem jornalística, diz que a retirada dos fósseis já não se caracteriza como “simples pilhagem”, mas sim, tráfico pesado de peças fósseis, encomendadas aos peixeiros da região, desde os anos de 1960. A encomenda era feita a esses profissionais pelo motivo óbvio de conhecimento, por parte deles, do tipo de peixe de interesse dos traficantes.


O entrevistado reproduz com indignação, a citação de um professor da Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, adepto e executor da prática de traficagem de fósseis brasileiros, o qual justificava sua ação criminosa, alegando que o Brasil não tinha direito de ficar com o material, pois o povo “mal tinha o que comer”, quanto mais condições de preservá-lo.

O professor citado, ao ser questionado acerca do fato de que seus estudos eram realizados com material brasileiro adquirido de maneira ilegal, deu como única resposta: “C’est lá vie” (É a vida!).


O professor Álamo, repudiando totalmente a afirmação de seu colega de profissão sobre a incapacidade de conservação de nossos fósseis, declarou:

“A máxima de que não temos gente capacitada e aparato para os fósseis, me desculpe, é discurso de inglês. É ultrapassado. Temos uma equipe, temos alunos de doutorado, de mestrado, de iniciação científica, de estagiários e um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq. Temos paleontólogos de renome mundial que estão vindo para cá como professor DCR (Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional), que é uma modalidade de convênio que traz um professor bolsista por dois anos para a URCA e é pago pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Técnico (FUNCAP)”.

O renomado mestre Álamo Saraiva, arremata, declarando possuir, mais de cinquenta artigos sobre os estudos na área, e que a criação do GeoPark Araripe, em 2006, teve como mote principal o fóssil.

2 Antônio Álamo Feitosa Santana: Paleontólogo, natural do Crato, no Cariri Cearense. É professor da URCA, do Departamento de Ciências Biológicas e um dos idealizadores do Geopark Araripe.

O mais impactante da situação é a constatação de que o tráfico de fósseis não se restringe apenas ao exterior. As investigações levaram à descoberta de espécimes contrabandeadas da região do Araripe (Santana do Cariri e Nova Olinda) e outras partes do Brasil compondo o acerto de Universidades de São Paulo e Rio de Janeiro, oriundas de trocas por roupas, cestas básicas e brinquedos com a população carente local.


3. LEGISLAÇÃO PERTINENTE


O Decreto Lei nº 4.146, de 4 de março de 1942, prevê a proteção dos artefatos fósseis, estabelecendo em seu artigo 1º:

“Os depósitos fossilíferos são propriedades da Nação, e, como tais, a extração de espécimes fósseis depende de autorização prévia e fiscalização do Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério da Agricultura”.

A Carta Magna Pátria, promulgada em 1988, recepcionou esse decreto-lei e preocupa-se com a proteção de nossos fósseis, porém sem enfrentamento robusto e específico da questão da evasão deles ou de sua repatriação, se necessário.

O artigo 216 de CF/88 em seu inciso V decreta os sítios arqueológicos e paleontológicos como patrimônios culturais do Brasil.

Apesar da previsão constitucional a esse rico e inestimável material pré-histórico presente em nossos solos e subsolos, a efetiva coibição ao contrabando de nossos fósseis esbarra na dificuldade de fiscalização e na frouxa punição aos contrabandistas.

A Lei 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, que trata dos crimes contra a ordem econômica, declara em seu artigo , in verbis:

“Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matérias-primas pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”.

A pena por inobservância do estabelecido nesse artigo é de detenção de um a cinco anos e multa, ou seja, branda e passível de ser convertida em penas restritas de direito, conforme previsto em nosso Código Penal, em seu artigo 44.

O Código de Mineração - Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967-disciplina, em seu artigo 10, incisos II e III, que os fósseis e as substâncias fósseis regem-se por Leis Especiais, leis essas inexistentes desde então.

A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – Lei de Crime Ambientais – em seu artigo 55, prevê pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, a quem “Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida”

Vê-se, assim, uma previsão de penalidade ainda menor que a prevista na Lei da Ordem Econômica, caracterizando flagrante descaso à questão, a nosso ver. Entendemos, todavia, que, apesar de não definido explicitamente, o tráfico internacional de fósseis pátrios encontra capitulação no artigo 334 - A do Código Penal, que define contrabando, como: “Importar ou exportar mercadoria proibida”. Em complemento a essa explicação, o parágrafo 1º do citado artigo, diz que incorre, na mesma pena quem: “Pratica fato assimilado em lei especial, a ação de contrabando (inciso I), quem importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente (inciso II), vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira (inciso IV), adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira (inciso V)”. (Incluídos pela Lei 13.008/14, de 26 de Junho de 2014).

A pena prevista, apesar de branda (reclusão de 2 a 5 anos), pode ser majorada em dobro, caso o crime seja praticado em transporte aéreo, marítimo, ou fluvial (em consonância com o parágrafo 3º do artigo 334 – A).

Alguns Projetos de Lei transitaram no Congresso Nacional com vistas à criação legislativa de normas específicas de proteção aos fósseis; porém, foram, todos arquivados.

Um deles foi o de nº 246, de 1996, que tramitou no Serrado Federal e outro foi o de nº 2.378, de 2003, que passou em branco pela Câmara dos Deputados.




CONSIDERAÇÕES FINAIS


Após a análise acerca da relevância jurídica dos fósseis na lógica de patrimônio cultural percebe-se que a legislação brasileira deve fortalecer suas normas a fim de preservar esse importante patrimônio ora relatado. A Constituição Federal de 1988 apresenta inúmeros dispositivos ressaltando os fósseis como imprescindíveis para a manutenção da identidade cultural do Brasil, devendo ser protegidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios concorrentemente.

A preservação dos fósseis encaixa-se na lógica de desenvolvimento sustentável consagrada no caput do art. 225 da Constituição Federal, pois o pleno desenvolvimento socioeconômico volta-se para a preocupação das presentes e futuras gerações. É inconcebível compreender a negligência do Poder Público em combater prática de pirataria internacional, violando o ordenamento jurídico no aspecto da soberania nacional.

Os fósseis são declarados como propriedade da nação conforme previsão do Decreto lei 4146/42, devendo qualquer forma de exploração ilegal ser combatido pelo poder público. Contudo, a realidade mostra que há descaso do Estado em criar mecanismo a fim de punir os traficantes dos fósseis.

Apesar de alguns fósseis não integrarem o patrimônio cultural brasileiro, é importante que haja investimento científico para catalogá-lo, contribuindo para criar esse acervo patrimonial e ampliar o debate em torno de legislações específicas para proteger os fósseis.

Outro detalhe importante é omissão das esferas administrativas em fortalecer o intercâmbio de comunicação para prevenir o tráfico internacional de fósseis de valor cultural.

O Brasil, em relação à proteção de seu patrimônio, está na contramão de países como Espanha e Portugal, em seus ordenamentos jurídicos frente a esses delitos.

A carência de regência legislativa especial fortalece o crime organizado, ciente de que passará incólume pelas malhas punitivas.

O fortalecimento fiscalizatório em nossas fronteiras, bem como em portos, aeroportos e rodoviárias deve ter em vistas, também, a contenção do tráfico de fósseis, não menos importante que o de espécies nativas de nossa fauna e flora.

A busca de cooperação internacional na inibição do transporte ilegal de nossos minerais e fósseis daqui para além de nossa terra deve ser constante e incansável.

Enfim, a sensibilização de nosso Poder Judiciário à causa, buscando meios jurídicos válidos e consistentes de aplicação de penas punitivas severas e de resgate do material furtado através da repatriação, tornará a atividade desinteressante e economicamente inviável, o qual deve ser o objetivo perseguido.

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