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A Cadeia de Custódia das Provas Digitais


A cadeia de custódia pode ser determinada como o conjunto de procedimentos documentados que registram a origem, identificação, coleta, custódia, controle, transferência, análise e eventual descarte de evidências.

O conceito de preservação da cadeia de custódia no processo penal, diz respeito à garantia de integridade e, por consequência, credibilidade e prestabilidade da prova, mas, também, ao exercício do contraditório pelas partes que devem ter acesso a una prova certamente íntegra, sem esquecer o Juiz, que é o destinatário da prova.

A atenção à cadeia de custódia no processo penal é comum e crescente em muitos países. Desta forma, no Brasil, a conservação da cadeia de custódia e a necessidade de considerar inútil a prova quando sua cadeia de custódia tiver sido quebrada, por se tratar, nesse caso, de prova de totalidade duvidosa, pois contaminada até pela simples possibilidade de adulteração, foram objeto de importantes estudos jurídicos cujas teses foram acolhidas, em muitos casos, pelas cortes brasileiras e acabaram formando jurisprudência.

Salientam-se, neste sentido, os brilhantes e profundos estudos e obras do preclaro professor Geraldo Prado, certamente o pioneiro no Brasil das teses envolvendo cadeia de custódia.

Por último, com o advento da lei 13.964/19 (Lei Anticrime), e a consequente introdução no CPP dos arts. 158-A até 158-F, apareceu a primeira formal e legal definição de cadeia de custódia e o reconhecimento de sua relevância.

De acordo com a mencionada lei, a cadeia de custódia das evidências (ou vestígios) compreende, resumidamente, os seguintes procedimentos ou etapas:

I - Reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II - Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas;

III - Fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito;

IV - Coleta: ato de recolher o vestígio, respeitando suas características e natureza;

V - Acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta;

VI - Transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas, de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - Recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado;

VIII - Processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada;

IX - Armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contra perícia, descartado ou transportado;

X - Descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, mediante autorização judicial.

Significativo, também, destacar que, de acordo com o art. 158-A, § 2º, instituído pela sobredita Lei Anticrime, "O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação."



É importante contemplar que a lei 13.964/19, após uma definição introdutiva geral do conceito de cadeia de custódia, foca sobretudo nos procedimentos a serem aplicados para o caso de evidências físicas e materiais, tratando de questões como sua descrição e posição no local do crime, sua coleta e acondicionamento de acordo com as características físicas, químicas e biológicas etc.

Fica claro que foram tomados cuidados na descrição detalhada dos procedimentos relativos à cadeia de custódia de evidências típicas de certos tipos penais, mas não foram tratados os procedimentos relativos a outros tipos de evidências, igualmente comuns, sobretudo em outros tipos penais.

Quais deverão ser, então, os procedimentos a serem adotados em relação à cadeia de custódia de evidências digitais, no que diz respeito a conceitos, aspectos e etapas gerais definidas na referida lei, mas não diretamente aplicáveis a evidências digitais na forma em que foram descritos em tal lei?

Nos socorre, neste caso, a norma ABNT/ISO 27037, em vigor no Brasil desde janeiro de 2014 e que se coaduna perfeitamente ao caso.

Tal norma, redigida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas, órgão responsável pela normalização técnica no Brasil) com base na equivalente norma internacional elaborada pelo ISO (International Organization for Standardization), descreve e define as "Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidência digital".

Apesar de não se tratar de norma cogente, por não haver, ainda, um reconhecimento explícito em lei, é, de fato, a única norma elaborada por organismo competente e reconhecido no Brasil, que trate explicitamente do assunto em foco, além de ser a norma que, em sua versão internacional (ISO), descreve os procedimentos adotados de direito ou "de fato" nos ordenamentos de muitos países.



Por estas razões, considerando de um lado, a existência da necessidade legal, em força do disposto pela mencionada lei 13.964/19, de realizar adequados e documentados procedimentos de identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências (cadeia de custódia), e por outro lado, a ausência de uma descrição detalhada de tais procedimentos para o caso de evidências digitais, entendo que seja perfeitamente possível defender a plena e necessária aplicabilidade da norma ABNT 27037, para a descrição dos procedimentos necessário para garantir a de cadeia de custódia de evidencias digitais.

Agora, com o novo embasamento legal, deverá ser objeto de uma atenção cada vez maior por parte do Judiciário e passar a compor, de vez, o bojo dos procedimentos necessários para a legalidade e admissibilidade da prova digital (e não) no processo penal.



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